quinta-feira, dezembro 23, 2010

quarta-feira, dezembro 08, 2010

A Cultura do Mar – Perspectivas e Desafios **


Políticas para o Mar Português

Coordenação; Adriano Moreira, Lisboa, Esfera do Caos/Gulbenkian, 2010.
Álvaro Garrido – Docente da Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra; Consultor do Museu Marítimo de Ílhavo.

1 O entendimento da Cultura do Mar.

Uma reflexão prospectiva sobre o que aqui designamos por Cultura do Mar implica um ensaio prévio de definição. Mais do que achar uma formulação teórica de presunção totalizante, importa delimitar o conceito; ancorá-lo numas poucas ideias referenciais e prender ao entendimento especulativo da noção uma série de práticas e valores de manifesta evidência social. Importa explicitar a expressão Cultura do Mar, procedendo com um mínimo de consenso teórico e com a emotiva utopia de aprendermos a olhar, proteger e construir esse domínio singular de cultura. Só depois estaremos habilitados a propor algumas linhas de actuação.

Mais do que um programa de acção, a tríade comportamental que sugerimos – observar, preservar, construir… – supõe um apelo de envolvimento afectivo e de cidadania em relação às “coisas do mar”. O mar é, também, uma questão de alma; se não se sente dificilmente se cultiva. Daí a importância da socialização educativa em torno de expressões simples da Cultura do Mar, nomeadamente sobre os temas que o naturalismo do século XIX elegeu como fulcro de uma Sciencia ou sabedoria do mar: a observação dos peixes e da vida marinha em geral; a experiência de navegação, primeira forma de domínio do mar pelo Homem.

Cultura do Mar começa por ser uma expressão cómoda e conveniente, dado que aglutina muitos plurais e escalas diversas. Neste como noutros conceitos que operam sobre o real vivido e imaginado, o entendimento da noção depende, antes de mais, da perspectiva que o sujeito constrói sobre o objecto.

Inadvertidamente, a Cultura do Mar  tende a ser percepcionada – e logo socializada – de fora para dentro1 ; ou seja, da terra para o oceano, como quem olha da margem sabendo que além da linha do horizonte nada conseguirá ver, porque na verdade não pretende ver nem tão-pouco observar. A este pobre entendimento da Cultura do Mar, puramente contemplativo mas dominante nas sociedades contemporâneas de hiper-consumo, soma-se o peso da tradição historicista europeia, que tende a reduzir a maritimidade e as suas expressões culturais a um mero património, ou seja, a “pedras mortas”. Nem uma nem outra perspectiva permitem construir uma relação sólida e dinâmica das sociedades com o mar.

 1 V. Inês Amorim, “Homens da Terra ou Homens do Mar – um percurso historiográfico”, in F. Oneto Nunes (coord.), Culturas Marítimas em Portugal, Lisboa, Âncora Editora, 2008, pp. 27-70.

II. Portugal e a Cultura do Mar

No caso português, se se pretende uma revalorização pública e social da Cultura do Mar, se queremos um reenlace cívico de Portugal com o mar, importa admitir que essa construção não se faz nem se fará por meio das anti-dinâmicas historicista e melancólica. O “presente das coisas passadas”, como Santo Agostinho definia a Memória, não é nem pode ser o único húmus do presente e futuro das coisas vividas.

Há que buscar um plano de acção ancorado nas realidades contemporâneas mais desafiantes: na sociedade mercantil de informação; nas oportunidades de globalização de localismos; no mercado de patrimónios e narrativas memoriais; na articulação entre cultura, turismo e desenvolvimento.

Mas importa reconhecer que a Cultura do Mar é, antes de mais, a linguagem social das comunidades marítimas, ou seja a sua própria identidade. Fazer da Cultura do Mar um factor de desenvolvimento do país implica assumir que os primeiros beneficiários de uma política para o mar devem ser os próprios pescadores e as gentes marítimas em geral.

Promover a Cultura do Mar por meio de uma estratégia pública implica integrar as populações marítimas; exige uma cuidada articulação entre iniciativas institucionais e dinâmicas em curso em diversos territórios marítimo-fluviais.

O móbil deste texto é claro: não se nos pede um catecismo, mas apenas um pedaço de gramática. Pretende-se um modo de ler e um código de agir em torno da Cultura do Mar, expressão que, substantivamente, podemos considerar sinónima de maritimidade.

Esta última noção, mais densa e filosófica, remete para os modos de ser do mar (numa perspectiva ontológica) e para a expressão sociocultural da vida marítima nas suas mais diversas representações, sejam elas materiais ou intangíveis (numa acepção lógica).

Em Portugal, tal como noutros países cuja maritimidade resulta de evidências geofísicas – a noção geopolítica de “Estados marítimos”, cunhada na época do sea-power, tem cedido à expressão mais fecunda de “países litorâneos” -, a Cultura do Mar é um campo sociocultural frequentemente marginalizado. Acrescem factores mais concretos e susceptíveis de mudança que parecem concorrer para a escassa valorização social da Cultura do Mar e para a sua relativa invisibilidade.

No nosso país, o reduto hegemónico da “cultura de Estado” e dos seus avatares, conjugado com o hábito reprodutor dos agentes culturais que se movem rente ao sistema estatal e mediático, exprimem-se numa razoável insensibilidade em relação às “coisas do mar”.

O mar e a “vida marítima” – aquela que Álvaro de Campos decantou na Ode Marítima, por exemplo – são realidades que a sociedade e a opinião portuguesas pouco cuidam de observar e entender. Por tão omnipresentes no plano da evocação simbólica, acabam por ser realmente ausentes; domínio favorito das memórias oficiais que se reclamam identitárias, o mar vivido e representado (a Cultura do Mar) acaba por ser objecto de omissão e esquecimento.
 
Frequentemente, o mar e o seu imenso arquivo cultural surgem representados como pura manifestação simbólica; não raro, como mero cenário ou moldura para dar corpo a narrativas sobre universos culturais mais socializados.

Outras vezes, o mar é traduzido para o discurso das artes e da criação em geral como simples alegoria, embora este registo tenha pouca tradição entre nós e mesmo na cultura europeia ocidental 2.


Por sua vez, nos media e noutras abordagens de intenção realista, o “mar português” ora surge como um mundo condenado ao definhamento, ora se apresenta como solução estratégica para dobrar o problema histórico do atraso económico do país 3.


Nesta visão dialógica – por um lado decadentista, por outro salvífica e tecnocrata – assentam as “representações” mais comuns do papel do mar no desenvolvimento de Portugal. Visão dual que raramente integra o papel da cultura nos planos de revalorização dos recursos marinhos. Em regra, a Cultura do Mar, tal como a vimos definindo, não é considerada um elo das cadeias de valor geradas pela “economia marítima” portuguesa nem tão-pouco um elemento de coesão social.

Não por acaso, durante os primeiros trinta anos de regime democrático, de 1976 ao começo do século XXI, o mar e as suas realidades foram domínios quase ocultos na agenda política portuguesa.

Em regra, os assuntos do mar têm sido domínios favoritos do património discursivo dos partidos de franja do espectro político que regularmente habita o poder e define as políticas públicas. À direita, o CDS-PP tende para a exaltação tradicionalista de um mar alegadamente desbaratado e insiste na defesa das actividades marítimas tradicionais como símbolos de soberania nacional; à esquerda, o PCP tende a evocar os problemas sociais associados ao declínio da economia marítima tradicional, insistindo na cooptação realista do tipo-colectivo dos “trabalhadores do mar”.


As elites económicas e militares ligadas às actividades marítimas tradicionais (defesa naval, comércio marítimo e pescas industriais), embora interessadas em promover uma certa Cultura do Mar, tendem a expressar a sua militância nostálgica em rituais cerimoniosos e bastante hierarquizados, embora legitimados pela participação do povo enquanto espectador: desfiles navais que evocam a pretensa glória do passado recente, iniciativas culturais celebrativas do elitismo da cultura náutica, comemorações históricas associadas às viagens de descobrimento e outras iniciativas. Embora legítimas, estas práticas reprodutoras exprimem entendimentos restritivos da Cultura do Mar. Visões ora assentes numa difusa ideologia navalista, ora baseadas numa lógica de mera evocação do pitoresco ou mesmo do exótico.

2 Michel Mollat du Jourdin, A Europa e o Mar, Lisboa, Editorial Presença (trad.), 1995, p. 241 e ss.
3 Para uma reflexão mais detida sobre esta problemática, v. A. Garrido (coord.), A Economia Marítima Existe, Lisboa, Âncora Editora, em especial pp. 9-16.

Discursos sobre a maritimidade portuguesa


Os portugueses têm pelo mar um apreço inquestionável. Cultivam-no, porém, de forma dominantemente lírica e superficial, como se de uma memória de infância se tratasse.

Sobre os argumentos materiais da geografia e sobre factos salientes da história alaparam-se discursos lendários acerca da maritimidade portuguesa, qual vocação irreprimível de um povo cuja identidade se hiperboliza mas que pouco se debate 4.

Sintomaticamente, a “cultura portuguesa” – aqui entendida num sentido aberto, não apenas erudito ou académico –, muito rica em etnografias sobre o mundo rural, nunca gerou uma antropologia marítima. Nem mesmo a respeito das comunidades de pescadores, salvo algumas excepções de âmbito local 5.

Crónicas de viagem, poemas mais e menos épicos, mitos e profecias, pinturas marinhistas, simples gravuras e postais, prosas de tragédia e relatos dos feitos do império, do império que no mar se fez, compõem uma vasta etnografia da maritimidade portuguesa. Trata-se de uma panóplia de discursos e imagens que, exceptuando alguns trabalhos da extinta Comissão para as Comemorações dos Descobrimentos Portugueses 6 e uma ou outra iniciativa de museu, as “elites cultas” nunca cuidaram de pôr em colectânea nem tão-pouco interpretar nos seus remotos sentidos.

Historicamente recentes e fundadores de uma relação cada vez mais íntima e massificada com o mar, bem expressa nos hábitos de “ir a banhos” e das “férias de praia”, são os padrões de relacionamento alienante com o mar, atitude social muito marcada por uma lógica hedonista. Com frequência, o mar é apenas a praia, uma aprazível enseada de consumo destinada a turistas e “empreendedores”; para as gentes do mar, porém, o mar é uma fronteira quotidiana, um lugar de vida, talvez uma mundividência.


Não obstante a diversidade da relação que a sociedade portuguesa estabelece com o mar, “pactos de sangue” pouco se notam neste enlace que o tempo foi afastando de uma vivência e leitura românticas, muito apegada aos sentidos - ao encantamento e mesmo ao drama.

4 V. Elsa Peralta, A Memória do Mar. Património, Tradição e (Re)imaginação Identitária na Contemporaneidade, Lisboa, ISCSP da Universidade Técnica de Lisboa, 2008.

5 Para um belo estudo da comunidade poveira de pescadores, veja-se Luís Martins, Mares Poveiros. Histórias, ideias e estratégias de pescadores da Póvoa de Varzim, Póvoa de Varzim, Câmara Municipal da Póvoa de Varzim/Academia de Marinha, 2007.
6 A título de exemplo, cf. os números 45 e 47/48 da revista Oceanos, editada pela Comissão Nacional para as Comemorações dos Descobrimentos Portugueses.



III. Linhas para um programa de acção




Deve o Estado abster-se relativamente à adopção de políticas de promoção da Cultura do Mar? Ou será mais sensato confiar essa ambição à “sociedade civil”, potenciando a espontaneidade das suas dinâmicas, conferindo privilégio à sensibilidade dos actores locais, dando voz às próprias comunidades marítimas?


Os deveres de Estado: geopolítica e Cultura do Mar


Por tradição e ousadia, Portugal tem desenvolvido muitos esforços para se afirmar como “Estado marítimo” de primeiro plano nas organizações internacionais de governação do Oceano. Essas iniciativas têm sido reconhecidas pela comunidade internacional.


A Zona Económica Exclusiva de Portugal, definida por lei em 1977, significou uma mudança profunda na relação do país com o mar e na organização da economia marítima portuguesa. Mudança jurídica, num primeiro plano; alteração estratégica e económica, em segundo lugar; mudança cultural, também.


A dimensão concreta do “mar português”, a nossa posição geográfica e o conhecimento acumulado na tradição das indústrias marítimas, têm justificado apelos de “regresso ao mar” e inspirado planos de reconversão das suas cadeias de valor.


Alguns factos enquadram essa vaga aspiração de retorno ao mar, por ora uma ambição pouco estratégica e, por isso, pouco sistémica: a partir dos anos oitenta do século XX decaíram as actividades marítimas tradicionais: a pesca, o transporte de mercadorias e a construção naval.


Negócios muito ligados entre si, a navegação, as pescarias e a construção/reparação de navios eram ofícios de grande expressão social e cultural. Durante vários séculos, as frotas de guerra, de comércio e de pesca foram símbolos de soberania de um Estado-nação marítimo que, embora dotado de um extenso mar territorial, nunca deixou de se projectar noutros espaços. Quer por impulsos imperiais, quer por necessidade de aceder à exploração de recursos alimentares noutras regiões oceânicas 7 . Também aqui as lógicas mudaram.


Nos nossos dias, a Ciência continua a gerar tecnologia e conhecimento aplicáveis ao mar; recursos do saber que animam a criação de indústrias novas e alternativas, muito exigentes em termos tecnológicos e altamente qualificadas em recursos humanos.


Que sustentabilidade poderá ter este processo de reconversão dos usos do mar se não contar com o sedimento da cultura? Que importância terá o mar no desenvolvimento de Portugal se a herança marítima não for socialmente relevante e culturalmente espessa? Considerando o peso simbólico do “mar português” e as potencialidades económicas da Zona Económica Exclusiva do nosso país, a Cultura do Mar deve ser encarada como expressão de soberania, mas também de identidade. Seja numa perspectiva eminentemente patrimonialista do mar, seja numa abordagem prática-funcional, ou de incentivo à inovação como factor de desenvolvimento das indústrias marinhas.


O grande apelo da Expo 98, “Os Oceanos – um Património para o Futuro”, abriu diversos caminhos para refazer a relação histórica, quase mítica, de Portugal com o mar. A inscrição internacional de uma renovada imagem da vocação marítima do País fortaleceu a sua inclusão na comunidade de países e organizações intergovernamentais que comungam de uma visão moderna dos problemas oceânicos.


Inúmeras questões relacionadas com a Cultura do Mar foram objecto de socialização nos espaços e discursos da grande exposição de Lisboa. Os efeitos mais persistentes desses meses de fulgor cultural e mediático foram a inclusão dos Oceanos em programas públicos de educação científica. De maneira consciente e involuntária, o “efeito Expo 98” penetrou nas instituições e em menor parte na sociedade civil; animou alguns investimentos públicos no âmbito das autarquias locais 8 ; tornou-se um móbil e uma referência da Cultura do Mar.


No final do século XX, a consolidação da ideia de que os Oceanos formam uma única entidade dinâmica ajudou a depor as velhas noções de “mar nacional” e de “mar soberano”. Neste quadro globalista e fortemente regulado em matéria de Direito público relativo à exploração dos recursos marinhos, a valorização económica e social das pescarias locais e costeiras por parte da União Europeia acabou por ter repercussões culturais.


Perante a hipertrofia normativa expressa na Política Comum de Pescas e a difícil legibilidade da regulação comunitária relativa ao “esforço de pesca” (capacidades dos barcos e características das artes), os pescadores foram criando, eles próprios, novas dinâmicas de expressão sociocultural. Nomeadamente, em defesa da cultura material e imaterial dos seus colectivos que, entretanto, os poderes públicos locais e o mundo académico se apressaram a recensear para fins diversos; em regra para promover a integração do património cultural marítimo em circuitos de produção-consumo turístico.


Alguns desses projectos, inspirados em experiências inclusivas ensaiadas em países nórdicos, assentam num conceito ecossistémico de património: elegem os próprios pescadores como inventariantes do património de que são produtores, em estreita articulação com cientistas sociais, museólogos e técnicos do património.


A revalorização das culturas locais que habitam em territórios marítimo-fluviais e a indexação dos respectivos patrimónios em redes digitais de informação tendem a gerar mais conhecimento em torno da Cultura do Mar e a despertar a consciência social para a riqueza desses singulares arquivos de cultura.


O projecto europeu Celebração da Cultura Costeira (CCC) 9, a concluir em 2010, é um bom exemplo dessas dinâmicas de patrimonialização em rede. Promovido pela Mútua dos Pescadores, uma sociedade cooperativa de seguros com uma invulgar sensibilidade para as questões da Cultura do Mar, o projecto CCC é desenvolvido por sete parceiros locais e três parceiros internacionais (dois noruegueses e um espanhol), entidades a que se juntam dois departamentos de universidades portuguesas.


Os principais objectivos deste projecto, baseado numa utopia construtiva de envolvimento das comunidades marítimas nas problemáticas do património e da identidade, apontam para a formação de uma rede de inventariantes locais do património marítimo-fluvial. Trata-se de uma iniciativa de certo modo espontânea, ainda que intermediada por actores institucionais com interesses diversos quanto ao uso do património.

A adaptação das comunidades de pescadores a uma ética da conservação tendencialmente imposta e a sua sobrevivência num quadro fortemente restritivo de acesso aos recursos acabaram por avivar a expressividade das culturas marítimas de âmbito local.


Embora reactiva, esta dinâmica social não obedece aos esquemas clássicos (estruturalista e sindical) de defesa de direitos de trabalho. Antes a animam fins mais amplos de natureza memorial e identitária cuja expressão ocorre num contexto cada vez mais exigente para a negociação que se estabelece entre os activos do mar e os poderes instituídos.

7 Desenvolvemos esta perspectiva no seguinte livro: Economia e Política das Pescas Portuguesas. Ciência Direito e Diplomacia nas Pescarias do Bacalhau (1945-1974), Lisboa, Imprensa de Ciências Sociais, 2006.
8 O investimento mais significativo a esse nível teve lugar no Município de Ílhavo em 1999-2001: a ampliação e remodelação do Museu Marítimo de Ílhavo. O projecto arquitectónico do primeiro museu pós expo-98 expressamente votado à promoção da Cultura do Mar foi assinado pelo gabinete ARX Portugal, cujos arquitectos (José Mateus e Nuno Mateus) haviam desenhado o “Pavilhão do Conhecimento dos Mares” da exposição de Lisboa.
9 O projecto CCC tem como entidade financiadora a EEA Grants (Mecanismo Financeiro do Espaço Económico Europeu, Noruega) e como instituição co-financiadora a Câmara Municipal de Sines.


Acervos e saberes locais


O movimento de afirmação das comunidades locais enquanto viveiros da Cultura do Mar é, porém, frágil e ainda pouco estruturado. Basta recordarmos a tradição europeia e portuguesa de enquadramento estatal das populações marítimas para concluirmos que, na realidade, as culturas marítimas sempre foram alvos de regulação e mesmo de um certo intervencionismo paternalista.


Em maior ou menor aliança com os actores locais, misturando-se com a comunidade que pretendiam retratar, os etnógrafos foram, desde o século XIX, os principais narradores das comunidades marítimas portuguesas. Os de maior fervor e talento deram a certas comunidades, a exemplo da Póvoa de Varzim, uma aura mítica e uma consciência de si quase superlativas. Ontem como hoje, os primeiros actores e narradores da Cultura do Mar são os próprios homens e mulheres do mar.


O projecto acima mencionado (CCC) e os fins menos abrangentes de diversas associações portuguesas votadas à defesa do património marítimo-fluvial – entidades cujo trabalho assenta, sobretudo, na problemática das “embarcações tradicionais” 10 –, combinam-se lentamente com a dinâmica de projecto de instituições museológicas de âmbito público, com relevo para os museus navais e museus marítimos.


Por razões diversas, os museus tendem a enquistar a sua “missão” – palavra litúrgica que não raro significa ausência de projecto – numa encenação conservadora do passado; num trabalho de conservação pouco aberto às comunidades marítimas e ao questionamento da sua vida colectiva.


Não menos evidente é a necessidade de os museus e outras instituições com responsabilidades no campo do património marítimo reformularem os seus projectos no sentido de uma maior intervenção nos territórios marítimos-fluviais onde habitam.


Importa que os museus sediados em localidades marítimas articulem os seus discursos estáticos e memorialistas com as questões de presente e futuro que inquietam as gentes do mar.


Os museus marítimos carecem dessa agenda de comprometimento em relação às grandes questões da vida marítima contemporânea. Ao assumirem o papel de porta-vozes da escassez de recursos vivos marinhos, ao expressarem dilemas identitários partilhando com o público os limites que se põem no uso de certas tecnologias, os museus tornam-se actores de relevo da Cultura do Mar. Para tanto, precisam de federar os seus projectos mais audazes e aprofundar as suas relações com a sociedade civil. Ambição que o sistema museológico nacional não favorece.


No sentido de promover uma acção partilhada dos actores da Cultura do Mar, a Sociedade de Geografia de Lisboa tem dinamizado plataformas de convergência de iniciativas dispersas pelo “território marítimo português”. A expressão mais visível desse trabalho insistente tem sido a ideia de uma “Rede Nacional de Cultura do Mar”, proposta pela secção de Geografia dos Oceanos em 2002 e reactualizada em ocasiões diversas. A realização mais tangível desse projecto audaz tem sido, até ao momento, a edição digital da “Agenda do Oceano”, uma newsletter de grande utilidade por meio da qual têm sido divulgadas as principais iniciativas relacionadas com a Cultura do Mar programadas pelas mais diversas instituições portuguesas.

Para a maioria dos estudiosos e cultores do património marítimo (ou marítimo-fluvial, como Octávio Lixa Filgueiras o entendeu)11 , o barco é a expressão máxima dos saberes do mar. Segundo este entendimento, uma embarcação, mais a mais se for antiga, rara, ou exemplar de um tipo caído em desuso, reúne em si, no seu significante (a materialidade da peça) e nos seus significados (tudo o que ela encerra de simbólico), o que queiramos tomar por Cultura do Mar. Radicalizando o argumento, diríamos que o princípio e o fim da cultura marítima é o barco, são os barcos.


Por categórica que seja, esta identificação é redutora. Por um lado, quase sacraliza um objecto como portador máximo de uma cultura gizada nas contingências do relacionamento milenar do Homem com os mares. Por outro, tal correlação directa afasta do olhar múltiplas formas de cultura material e simbólica igualmente expressivas dos saberes do mar e capazes de tecer outras narrativas sobre o que declaramos como a Cultura do Mar.

Parece provada a necessidade de regeneração da Cultura do Mar por meio da construção de novas etnografias.


Desde que atentas ao dizer e pensar das comunidades marítimas, assentem elas em projectos patrimoniais ou na criação artística, as etnografias contemporâneas podem reforçar a coesão dos colectivos marítimos.


De que modo? Dando-lhes voz, visibilidade social e protagonismo no processo de Desenvolvimento Sustentável dos eco-socio-sistemas a que pertencem.

10 Em 2010, a principal organização para “preservação, defesa e estudo do património marítimo” dotada de uma lógica territorial (actuante entre Douro e Minho) é a Associação Barcos do Norte, fundada em Viana do Castelo em 2002. Com uma vocação semelhante, embora criada segundo uma lógica de tutela estatal através do Despacho nº 15899 de 20 de Maio de 2008, da Secretaria de Estado da Defesa Nacional e dos Assuntos do Mar, é a “Marinha do Tejo”. Esta organização discutivelmente vinculada ao Museu de Marinha tem, por ora, propósitos pouco claros e um impacto social e ambiental que só o tempo poderá esclarecer.
11 V. A. Garrido e F. Alves (coord.), Octávio Lixa Filgueiras – Arquitecto de Culturas Marítimas, Lisboa, Âncora Editora, 2009.



IV. Cultura do Mar e Desenvolvimento Sustentável

No plano ideal, uma Cultura do Mar vivaz, estruturada em redes e devidamente socializada através de uma educação pública atenta à promoção da cidadania marítima, é um factor de desenvolvimento sustentável das sociedades em geral e das comunidades marítimas em particular.

Segundo alguns autores, os dilemas sociais gerados pela introdução da ciência e da técnica na sociedade capitalista acabaram por demarcar a natureza da cultura, apartando o Homem das suas próprias criações 12

No plano da utopia, a Cultura do Mar será tanto mais pujante e decisiva para o desenvolvimento sustentável de um colectivo quanto as suas dinâmicas exprimirem uma conciliação da natureza com a cultura, da herança com a criação. Ambição tanto mais necessária quanto o mar se declarou a chave da sustentabilidade ambiental do Planeta e o paradigma dos desequilíbrios gerados pela exploração intensiva dos recursos naturais 13.
 
As evidências de erosão e invisibilidade da Cultura do Mar nas sociedades contemporâneas parecem participar deste movimento de fundo, inaugurado com as revoluções industriais e com a revolução tecnológica que as despertou.

A “sociedade da informação” trouxe, porém, um novo palco e novas audiências às narrativas socialmente confinadas, a exemplo das culturas marítimas. A mundialização desafiou a esfera do “local” a servir de contraponto para o logro identitário das hegemonias do “global”.

Tudo indica que a Cultura do Mar tem nestes recursos de inscrição social uma oportunidade de se exprimir e desenvolver. Assim os poderes públicos respeitem as iniciativas sociais em curso, incentivando-as e apoiando-as sem a tentação instrumental de as cooptarem em aliança com os grupos de interesse.

As “culturas” que costumamos identificar com os colectivos sobre os quais construímos uma visão lendária ou mesmo exótica, só se exprimem abertamente nas sociedades em que vivemos – o mesmo é dizer, só se tornam visíveis e relevantes no mercado das demais “culturas” – se conseguirem um reequilíbrio entre o indivíduo e a comunidade 14 .

Num tempo de identidades múltiplas, marcado pelo relativismo cultural e ético, é de crer que esses perigos acabem por favorecer a expressão comunitária da Cultura do Mar, bem como a sua inscrição pública em economias culturais de escala.

Por sensato que seja defender a autenticidade das comunidades marítimas, importa admitir que a Cultura do Mar só será percebida na sua admirável singularidade e enquanto factor de desenvolvimento se for inscrita em comunidades mais vastas.


** Texto publicado no livro Políticas Públicas do Mar (ed. Fundação Calouste Gulbenkian/Esfera do Caos) Coordenação: N. Vieira Matias, Adriano Moreira e Viriato Soromenho Marques
12 Cf. Jurgen Habermas, Técnica e Ciência como “Ideologia”, Lisboa, Edições 70, 2006 (tradução portuguesa do original em Alemão, 1968). Em sentido idêntico se pronunciou recentemente Guilherme D’Oliveira Martins, Património, Herança e Memória. A cultura como criação, Lisboa, Gradiva, 2009, em especial, pp. 13-15.

13 Para uma breve reflexão a este propósito, v. Mário Ruivo, “Partilhar o Mar para Bem da Humanidade”, Diário de Notícias, 8 de Julho de 1999, pp. 92-95. Num dos registos mais amplos e didácticos sobre a matéria, v. O Oceano Nosso Futuro. O Relatório da Comissão Mundial Independente para os Oceanos, Lisboa, Expo98/Fundação Mário Soares, 1998.
14 Ideia adaptada do seguinte artigo-ensaio: Guilherme D’Oliveira Martins, “A Crítica do Contemporâneo”, Jornal de Letras, 20 Junho-3 Julho 2007, p. 38.



O Museu Maritimo de Ílhavo do qual o Dr. Alvaro Garrido é director, é juntamente com a Associação Barcos do Norte, parceiro no projecto Celebração da Cultura Costeira CCC.

Fotos de arquivo.
 

sábado, novembro 27, 2010

UNHA NOVA OPORTUNIDADE PARA O PATRIMONIO




Hai apenas uns días a UNESCO vén de acordar desde Nairobi a inscrición na Lista Representativa do Patrimonio Inmaterial da Humanidade de novos bens de carácter intanxible. Para informar á opinión pública sobre a ausencia nesta lista da candidatura de patrimonio inmaterial galego portugués, a Asociación Ponte...nas Ondas! quere manifestar:


Desde o ano 1995, a Asociación Cultural e Pedagóxica Ponte...nas ondas! vén traballando na transmisión ás novas xeracións de Galicia e Portugal, do património inmaterial galego-portugués. Un patrimonio común que mantivo a súa cohesión ao longo dos séculos nun territorio que a fronteira máis antiga de Europa non foi quen de desfacer.

Por iso, cando no ano 2001 a Unesco falla as primeiras proclamacións das Obras Mestras do Patrimonio Inmaterial da Humanidade, asumimos a responsabilidade de levar a cultura común galego-portuguesa a un merecido recoñecemento internacional.


Ponte...nas ondas! comeza un traballo constante de levar ás aulas da Eurorrexión as expresións máis singulares e representativas do patrimonio cultural inmaterial galego-portugués. Paralelamente prepáranse estudos achegados por antropólogos e investigadores de Galicia e Portugal. Sucédense as actividades de dinamización e promoción realizadas desde as escolas, as asociacións e as propias comunidades de portadores que vén na Candidatura á Unesco unha forma de revivir unha boa parte das tradicións adormecidas polo desenvolvemento social e os cambios nas formas de vida.Desde Ponte...nas ondas! impúlsanse as Mostras da Oralidade Galego-Portuguesa, celebradas en distintas cidades, nas que teñen participado músicos e artistas galegos e portugueses, os Certames de Recolla da Tradición Oral dirixidos aos centros educativos ou realízase o proxecto Meniños Cantores cun simbólico videoclip gravado na ponte de Tui-Valença co título de Máis Perto.
O 23 abril de 2004 preséntase publicamente en Vigo a Candidatura do Património Inmaterial Galego-Portugués. Con aínda poucos apoios e moitas reticencias por parte das institucións, quer galegas quer portuguesas, mesmo tamén de Madrid, sucédense as entrevistas no triángulo administrativo Santiago-Lisboa-Madrid e comprobamos como a proposta dunha Candidatura Multinacional era descoñecida para todas as administracións e mesmo para os “expertos” consultores. Aínda así, Ponte...nas ondas! foi quen de presentar en París o 18 de outubro de 2004 un primeiro dosier co aval dos dous Estados e co apoio da Xunta de Galicia. Dosier que foi ampliado e completado con novos traballos realizados ao longo do ano 2005.


A Candidatura do Patrimonio Inmaterial Galego-Portugués foi recollendo apoios segundo se aproximaba a data da proclamación ( 25 de novembro de 2005 ). Vários escritores, como Suso de Toro e Manuel Rivas asinaban un manifesto xunto aos portugueses Mario Claudio ou José Saramago e a galego-brasileira Nélida Piñón, entre outros. Ademais numerosas escolas e institutos, concellos galegos, câmaras municipais portuguesas, institucións oficiais e asociacións diversas mostraron un apoio unánime a esta Candidatura.


Ao igual que o Parlamento de Galicia, que o 10 de novembro de 2004 aprobou por unanimidade unha moción presentada polo PSdeG-PSOE e BNG, na que se solicitaba o apoio da Xunta de Galicia a esta candidatura. O 21 de setembro de 2005, no Congreso dos Deputados, apróbase outra resolución por unanimidade instando ao goberno de España a apoiala, informando á UNESCO desta resolución.

O 25 de novembro, o xurado internacional reunido na Unesco, considera que a Candidatura das Tradicións Orais Galego-Portuguesas, debe ser reformulada para unha posterior presentación.

Os membros do xurado valoraron o extraordinario proceso desenvolvido por


Ponte...nas Ondas! destacando o feito singular de ser a primeira candidatura mundial en ser promovida por centros educativos de dous países.


Esta decisión do Xurado foi recollida polo xefe da División de Patrimonio Inmaterial, Mr.Riek Smetts, quen nun oficio remitido posteriormente ( o 3 de xaneiro de 2006 ) aos gobernos español e portugués, recomenda volver a presentala coas suxestións feitas polo xurado. ( Ponte...nas ondas! ten ese documento ).


OUTRA OPORTUNIDADE PERDIDA


En Setembro de 2007, a Unesco modifica o sistema de proclamación das candidaturas debido á entrada en vigor da Convención para a Salvagarda do Patrimonio Inmaterial. Crea unha Lista Representativa onde, son os Estados os que inscriben os bens patrimoniais en dita Lista, sendo así proclamados Património da Humanidade.


Ponte...nas ondas! diríxese entón á Consellería de Cultura para proporlle o inicio dos preparativos para o novo procedemento. A falta de resposta levounos a realizar un acto simbólico o 23 de novembro de 2007 enchendo as catro pontes sobre o rio Miño ( Cerveira-Tomiño, Tui-Valença, Salvaterra-Monção e Arbo-Melgaço ) com mozos e mozas dos centros educativos próximos. A mensaxe era clara: Unha nova oportunidade para o patrimonio cultural galego-portugués. Aínda que o acto foi portada ao día seguinte de medios galegos e portugueses, a sensibilidade das administracións mantíñase intacta: desinterese e indiferencia.

Entre tanto, en Abril de 2008, o presidente da Xunta, Pérez Touriño, entrevístase en París co Director Xeral da Unesco, Koichiro Matsuura, interesándose pola proclamación da Torre de Hércules como patrimonio da humanidade. A sorpresa é que o Sr. Matsura dille que debería presentar a candidatura de património inmaterial, tendo en conta a riqueza de Galicia neste ámbito. O Sr. Touriño manifestou aos medios que tería en conta os traballos xa realizados por Ponte...nas ondas! Pedimos unha entrevista co Sr. Presidente pero nunca foi respondida.


Coa ratificación na Asembleia da República Portuguesa da Convención de Salvagarda do Patrimonio Inmaterial, en Maio de 2008, sálvase un impedimento legal en Portugal. Varios deputados, desde o PSD ao Bloco de Esquerda, interpelan ao goberno sobre o proceso da candidatura galego-portuguesa á Unesco. Este admite publicamente que recibirá a Ponte...nas ondas! en Lisboa e que se os “técnicos” consideran viable a proposta presentará novamente a Candidatura en Outubro.


.A comezos do verán de 2008, Ponte...nas ondas! entrevistase no Ministerio de Cultura cos responsables do IMC ( Instituto dos Museus e da Conservação ). Nessa entrevista solicítasenos que presentemos unha reformulación da Candidatura antes de Setembro. Se así o facemos comprométense a avaliala e a enviala para a Unesco. Non perdemos nin un só día en poñernos co equipo de antropólogos e investigadores galegos e portugueses a elaborar a reformulación segundo os criterios que a Unesco aconsellara no oficio remitido aos dous Estados e a Ponte...nas ondas!

O 13 de agosto, o dosier está rematado e envíase a Lisboa. A súa análise ”demórase” até o 24 de setembro, tan só uns días antes de rematar o prazo de presentación na Unesco. O parecer “técnico” constitúe un auténtico despropósito e demostra o descoñecemento máis absoluto do patrimonio inmaterial Galego Portugués, alén de poñer por escrito afirmacións de escaso rigor científico.


Ademais da pouca consistencia técnica e intelectual, o referido informe pechaba calquera saída á presentación da candidatura co patrimonio común galego- portugués.

Así foi como se perdeu unha nova oportunidade.


Como resposta, o 31 de Outubro, Ponte...nas ondas! remite ao Ministerio de Cultura de Portugal un informe avalado polo equipo de especialistas rebatendo cada unha das liñas do suposto parecer“técnico”.


Coas últimas inscricións na Lista Representativa podemos comprobar como a proposta do flamenco, que fora presentada no ano 2005 en París como candidatura multinacional sen acadar a proclamación, ao ser reformulada nestes últimos anos (agora reconverteuse nunha proposta española) conseguiu finalmente o recoñecemento.

Que debemos facer os galego-portugueses para que as nosas institucións teñan a sensibilidade e a responsabilidade para emprender as medidas necesarias para o recoñecemento internacional do patrimonio común galego-portugués, verdadeiro corazón da nova Eurorrexión ?


POR QUE NON INTENTALO DE NOVO ?


Asociación Cultural e Pedagóxica PONTE...NAS ONDAS!


Rúa Rosalía de Castro, 67

36450 Salvaterra de Miño

pontenasondas@pontenasondas.org






sexta-feira, setembro 03, 2010

Programa 2º Encontro de Embarcações Tradicionais de Viana do Castelo


II Encontro de Embarcações Tradicionais
Rio Lima 2010

17, 18 e 19 de Setembro


Antes da abertura oficial - Recepção às embarcações e Tripulações, sexta feira dia 17 de Setembro durante a tarde na Marina de Viana, junto à Ponte Eiffel.

Sábado, dia 18 – Abertura

10:00h – Abertura do Encontro.
Recepção às embarcações e tripulações, com entrega de documentação e credenciais (Secretariado na Marina de Viana Castelo)

11:00h – Abertura ao público das exposições:
• Exposição em seco na área ribeirinha de 5 embarcações tradicionais originais e emblemáticas do Norte de Portugal, no jardim junto à Biblioteca Municipal;
• Exposição de Miniaturas de Embarcações Tradicionais de Viana do Castelo, da autoria de João Gonçalves Pinto “Calafate”, no Museu de Arte e Arqueologia;

10:30h -12.00h – Navegação livre das embarcações participantes. (Rio Lima).

12.30 -17.00h – Exibição das embarcações acostadas ao publico em geral.

12:30-14:00h – Almoço das tripulações e demais convidados (Local a designar).

15:00h – Arruada marinheira – Animação de Rua com o Festival de Gaitas de Foles promovido pela Autarquia na Praça da Liberdade, junto ao rio

15:30h – Elaboração e Exposição do “Tapete de flores de sal” no Museu de Arte e Arqueologia;


17.30 -Seminário “II Encontro de Embarcações Tradicionais Rio Lima 2010” – Conferência Internacional de Associações de Embarcações Tradicionais
Local: Museu de Arte e Arqueologia

17.30h – Abertura do seminário com a Visita orientada pelo Autor da Exposição fotográfica, Dr. Manuel Gardete, intitulada “Barcos Tradicionais Portugueses – Navegações, instantes e devoções” (resulta de uma selecção de imagens realizadas entre 1992 e 2000 e apresenta algumas das mais emblemáticas embarcações Tradicionais do continente e dos Açores)

18.00h - Início dos trabalhos
18.20h – “A Associação Portuguesa do Património Marítimo”, João Barbas, Presidente da Associação Portuguesa do Património Marítimo

18.40h – “A Federação Galega pela Cultura Marítima e Fluvial ”, Vitor Fernandez, Presidente da FGCMF

19.00h - “A Associação de Amigos da Ria e do Barco Moliceiro”, Manuel Oliveira, Presidente da Associação de Amigos da Ria e do Barco Moliceiro

19.20h - “O Projecto Lancha Poveira do Alto” , Dr. Manuel Costa , Câmara Municipal da Póvoa de Varzim

19.40h – Debate e encerramento do seminário

20.00h – Jantar nas “tasquinhas de ribeira” recriadas no recinto do Museu de Arte e Arqueologia.

21.30h – Filmografia de Homenagem - Átrio das “tasquinhas”do Museu
• Apresentação do filme Água Arriba – Histórias de homens e Barcos, a propósito dos barcos e dos barqueiros do rio Lima (Associação Ao Norte)

Domingo, 19 de Setembro

10:00h – Abertura das exposições (nos diversos espaços)

10:30h – 13:00h – Apresentação do Lanhezes embarcação replica navegante construída em 2010 e propriedade da Junta de Freguesia de Lanheses (estará no rio Lima, próximo do local da exposição das 5 embarcações, no Jardim junto à Biblioteca).

11.00h – Saída ao Rio Lima de todas as embarcações participantes para navegação livre.

14:00h – Almoço Convívio das Tripulações e convidados.
- Encerramento e entrega de certificados de participação (local a designar)

16:00h – Despedida (Marina)

domingo, julho 11, 2010

Catraia Fanequeira

Filmagens com a Catraia fanequeira Nossa Senhora da Agonia no ano de 2008 para o filme Água Arriba, histórias de barcos e homens


terça-feira, junho 01, 2010

Salvem o Museu de Marinha

Petição Salvem o Museu de Marinha

Para:Presidente da República; Assembleia da República; Primeiro-Ministro; Ministro da Defesa; Ministra da Cultura; Chefe de Estado Maior da Armada

A passagem do espólio do Museu de Marinha português para o novo Museu da Viagem ou qualquer outro museu, como proposto pelo Ministério da Cultura, significará a morte do Museu de Marinha criado pelo Rei D.Luís.
Este é um dos mais prestigiados museus do mundo na sua área, que conta com algumas colecções únicas - entre elas, a maior colecção de astrolábios do mundo nas mãos de uma entidade pública e uma das mais extraordinárias colecções de modelos de navios em todo o mundo.

Ao longo das últimas décadas, todos os directores do Museu de Marinha batalharam para preservar e alargar o espólio do museu contra todas as dificuldades financeiras que podemos imaginar, incluindo a inércia inerente às instituições do Estado e que atingem a maior parte dos museus em Portugal.

O Governo vem agora dizer que quer investir num novo museu à custa do Museu de Marinha.

Ajude a salvar este Museu único com mais de 150 anos e assine esta petição.


Para aceder ao link clicar no titulo




Que fazer quando os iluminados nos querem apagar a memória e a cultura de todo um povo...

domingo, maio 23, 2010

Levar o barco a bom porto

Pequeno documentário realizado em 2002 para ver aqui:

http://www.lugardoreal.com/video/levar-o-barco-a-bom-porto/

sexta-feira, maio 14, 2010

sexta-feira, maio 07, 2010

Água arriba


ÁGUA-ARRIBA, HISTÓRIAS DE BARCOS E HOMENS


Sinopse:

Água-Arriba, histórias de barcos e homens mostra, a partir de registos actuais, de fotografias, de filmes antigos e do depoimento de carpinteiros navais, investigadores e especialistas em património marítimo, pescadores, antigos barqueiros de passagem e de água-arriba que trabalharam no rio, a importância que as embarcações tradicionais do rio Lima tiveram ao longo dos tempos.

Ficha técnica
REALIZAÇÃO - Carlos Eduardo Viana
PRODUÇÃO - AO NORTE - Associação de Produção e Animação Audiovisual
PRODUÇÃO EXECUTIVA - Rui Ramos
DIRECÇÃO FINANCEIRA - António Passos
CÂMARA - Ricardo Geraldes com a colaboração de Carlos Eduardo Viana, Carlos Isaac, Carlos Morais, Daniel Novo, Ricardo Garrido, Vítor Martins
SOM DIRECTO - Alexandre Martins com a colaboração de Fátima Chavarria
MÚSICA ORIGINAL - António Rafael
MONTAGEM - António Soares
GRAFISMO - Miguel Filgueiras
DESENHO DA EMBARCAÇÃO - Carlos Vieira
ANIMAÇÃO 3D - João Vieira e Edgar Barbosa
TRATAMENTO DAS FOTOGRAFIAS - Ricardo Leal
PÓS-PRODUÇÃO ÁUDIO - José Gonçalves
CORRECÇÃO DE COR - Carlos Filipe Sousa
TEXTO - Ivone Baptista
LOCUÇÃO - Carlos Duarte
DURAÇÃO - 75’
FORMATO NATIVO DVcam

quarta-feira, maio 05, 2010

Memoria... Bueu ano 2000






Encontro de Embarcações de Bueu no ano 2000 algumas memórias captadas a P/B.


Quando os lugares, os sítios, ou os amigo partem,
Restam as memórias

Os instantâneos captados pela objectiva a testemunhar o passado.

É a partir desse passado que a história se escreve, se relembra se reescreve.
É pela história que um povo vive.

Todos os barcos têm histórias para contar…
Fotografias de João Baptista

quinta-feira, abril 29, 2010

Canote de Fonte Boa





Bota abaixo no sítio da passagem na Barca do Lago ,rio Cávado em Esposende, do Barco de fundo de prato de Fonte Boa, rebaptizado de Canote.

Estas embarcações também conhecidas por Canotes, eram usadas pelas comunidades de Fonte Boa e Fão para a apanha do sargaço, e do pilado como auxiliares da catraia piladeira.
Também se dedicavam à pesca da faneca, safio, robalo e todos os peixes que abundavam entre os penedos que caracterizam a costa atlântica compreendida ente a Foz do rio Cavado e a povoação de Apúlia a sul.

Fotografias de João Baptista em 18 Abril 2010

terça-feira, março 23, 2010

O ultimo resistente da beira do rio...

...Um barco é como um filho saído do estaleiro que o concebe, fruto do saber arte e engenho do carpinteiro naval...




Falamos de barcos, falamos de património, falamos de cultura maritima, ou melhor falamos de identidade, falamos de paisagem ribeirinha maritima ou fluvial.

Actualmente o património e a paisagem são dois elementos importantes e indissociáveis das embarcações.

Oceanos, rios e lagos tornaram-se na Pré-história caminhos de água, numa rede operada pelas embarcações, distribuidora de produtos, pessoas e bens, que permitiu fundar a velha Europa, modelo civilizacional que perdurou até hoje.

Com as suas diferentes tipologias, as embarcações pertencem a uma paisagem exclusiva, e são o resultado das produções de uma comunidade humana que lhes deu expressão e representação.

Pertencem à Arquitectura dos lugares ribeirinhos, Marítima ou Fluvial, que é identitária e única.

As embarcações foram o motor da civilização que conhecemos e a que pertencemos. Este é o legado dos nossos barcos.
Para que existam os barcos tem que existir carpinteiros navais. Para existir carpinteiros navais tem que existir estaleiros


Em Bueu existem barcos e existem carpinteiros navais, existe o estaleiro do Purro na banda do rio frente à praia. Muitos esperam a sua morte, vencido pela exaustão dos dias o abandono e o descrédito dos homens.
A negação das memórias vivas.

É tão fácil apagar a memória dos lugares.
Difícil é recuperar
Reconstruir
Dar vida
Continuar a escrita a traços largos da história dos homens e dos seus barcos.

O estaleiro do Purro
Lá na banda do rio é o ultimo resistente.

A história é feita de resistentes. A história é feita de homens e mulheres que acreditam

Falamos de barcos, dos barcos.



Falamos de embarcações de trabalho, construídas em madeira, tornadas obsoletas pelo avanço tecnológico, e pelo esforço de pesca. Falamos de embarcações construídas segundo técnicas apuradas de carpintaria de ribeira aprendida de geração em geração, um saber feito de saber saber, saber fazer. São estas que urge salvar e proteger com a lei, se a lei não serve devemos de contribuir para que se altere, para que sirva os barcos tradicionais e não se sirva dos barcos tradicionais.

Os barcos não sobrevivem sem os seus lugares de nascença.
São como um povo sem terra.
Sem pátria.

Falemos então de identidade.



Temos hoje consciência de que até à geração dos nossos avós (50 anos atrás) as embarcações que hoje dizemos “tradicionais”, eram simplesmente os barcos de trabalho dos homens de então.

Trabalho de pesca, de transporte, de guerra, de pirata, de corsário, de vigilância, de salvamento, de carreira regular entre margens ou carreira entre países ribeirinhos, de lazer, de desporto...

investigadores e cientistas (arqueólogos navais, arqueólogos subaquáticos, antropólogos, historiadores, engenheiros navais e arquitectos navais) estão nos últimos 20 anos, apostados em conhecer o universo destes barcos.

Porquê? – Simplesmente porque se provou, que entre todas as peças do património local, quando em presença de comunidades ribeirinhas, são os barcos que dão a diferença entre cada uma das comunidades humanas, logo são eles que identificam a comunidade.

Hoje, em que se caminha em direcção de uma única Europa e para um futuro global, encontrar as diferenças entre o um e o outro, é garantir a primeira de todas as liberdades fundamentais que a Humanidade conquistou:
o direito a ser diferente, logo a ter identidade.

Continuamos a falar de barcos da identidade dos barcos, logo dos seus locais de origem, os locais de nascença.



Barco

O conceito de barco, entendido como meio de comunicação e de transporte, não é completo se não for entendido também como o meio de pesca e de sustento.

A verdade é que a utilização mais antiga para o barco é a sua capacidade de trabalho e não a de recreio. Assim se a embarcação não “trabalha” acaba também por entrar em declínio e desaparecer, por mais que se contrarie a tendência.

Sobreviveram até aos nossos dias algumas embarcações de pesca fluvial e local, por serem embarcações pequenas e de fácil manutenção. Objectos de interesse cultural, só algumas (poucas) foram salvas, em situação extrema, por Associações culturais e Clubes Náuticos que agora se desdobram a tentar encontrar maneira de as colocar na água novamente… mas já não “trabalham”, não transportam nem pescam.
Com isto perdem-se os gestos, as palavras e os conceitos associados a cada arte náutica onde o barco é tão só a peça mais visível.

Com o estaleiro a situação é a mesma. Perde-se o saber construir, o saber fazer, a prática. Perdem-se os mestres carpinteiros sem barcos…

Falamos então de abandono.


Abandono

Há poucos anos, os barcos, grandes ou pequenos, eram abandonados findo o seu uso, nas praias, margens de rios ou portos, nos locais onde se construíam ou reparavam.
Os estaleiros navais.



Todos os estaleiros tinham por isso a sua lixeira de carcaças de navios, a sua sucata, onde se iam reciclando ferragens e madeiras, que se retiravam sempre que tinham serventia até só restar a carcaça desmantelada, que se não servisse para melhor, sempre dava para alimentar as fogueiras de S. João ou de S. Pedro, os santos masculinos que os pescadores em Portugal mais festejam.

Afinal estas lixeiras eram o cemitério das embarcações...
Mas este abandono não traz agora a substituição com inovação tecnológica.

Traz a morte dos barcos e das comunidades ribeirinhas a eles associados.

Com o progresso e o novo ordenamento do território e das frentes ribeirinhas, a par da falência desastrosa do sector das pescas e de boleia neste, do da construção e reparação naval, os velhos lugares destes cemitérios, considerados, sujos e perigosos, deram lugar à especulação imobiliária e a empreendimentos habitacionais ou turísticos, ou ainda à “renaturalização” da margem, agora semeada de relva.

A par dos barcos perdem-se a memória desses lugares ribeirinhos, abandonados em nome do cosmopolitismo.

Ainda falamos de embarcações tradicionais…


Os investigadores usam várias fontes de informação para os seus estudos:


Entrevistam pessoas, consultam os Arquivos históricos, comparam fotografias antigas, interpretam a iconografia (pintura, desenhos, modelos à escala…), analisam a bibliografia e estudam os ex-votos religiosos.

Mas a melhor informação continua a ser a do próprio barco original.

O mesmo se passa com o estaleiro. O melhor estaleiro, aquele que nos ensina, aquele que atravessa a espessura do tempo é o estaleiro original.
A par do barco são o símbolo individual de cada comunidade ribeirinha.
Resultam do apurar de milénios de conhecimentos artesanais, saberes do Saber-saber, do Saber-fazer e do Saber-ser: modos e usos do dia-a-dia de outrora, saberes náuticos e ribeirinhos.

Por isso o barco ou o estaleiro devem ser entendidos individualmente, pois cada um é único no seu lugar.
Verdadeiros contentores de informação histórica,

São já poucos, é tempo de falar de extinção.

Extinção

O cosmopolitismo actual, com a sua voraz modernidade tecnológica, condenou as embarcações tradicionais, movidas à vela, a remo ou à vara, ao absolutismo técnico e assim ao seu desuso.

Com o desuso continuado virá a extinção.

Poucas pessoas, individualmente ou institucionalmente, perceberam até algum tempo atrás o drama desta extinção.

Não é a apenas o barco que se perde. É tudo o que está com ele, dentro dele, antes e depois dele.

Num barco, as diferenças são muitas entre estar como tripulante ou como passageiro.
Ao primeiro exige-se conhecimento técnico e experiência pessoal, ao segundo apenas a vontade de lá estar.
E é aqui que reside o maior problema para a extinção.
Quando um barco pára, poucos se dão conta, mas o tripulante, esse, sofre as consequências da perda do seu barco.
Aqui a mudança não dá lugar a novas formas de continuidade.
Quando um barco “tradicional” pára não é para ser substituído, é para morrer. Por isso o tripulante também pára. Quase sempre também definitivamente.

Afinal, perdemos com este parar os últimos 2500 anos de informação histórica, tecnológica, empírica e cultural.

Urge falar de inventários.

Universidades, Associações e Investigadores apostados em conhecer o universo destes barcos criaram normas para o seu estudo: levantamento, tipologia, inventário.

Buscam o legado material da cultura dos barcos, marítima ou fluvial, piscatória ou agro-piscatória.

Barcos de rio, de fundo chato e barcos de mar, de quilha e cadaste. Barcos simétricos, de proa e popa levantados em rodas, ou barcos cortados, de proa e popa em painel, como as masseiras de amassar o pão de milho. Barcos de casco forrado a tábuas a topo ou a tábuas trincadas umas sobre as outras. Barcos só à vara ou só a remo nos rios. Barcos de velas bastardas ou de velas latinas, nos rio e no mar.
Barcos que no passado recente trabalharam nas fainas do pilado e do sargaço e nas safras da sardinha. Que ora mataram a fome nos acejos da Primavera, ora a vida, nos naufrágios de Inverno.

Para além das tipologias das diferenças, o que resumia um barco, era ser uma extensão da própria família. Frequentemente passava de pai para filho e sucessivamente, de geração em geração.
Madeiras novas, velas novas, peças novas, reconstrução em cima de reconstrução.
Mas sempre o mesmo nome, o mesmo modelo naval com os mesmos defeitos e qualidades.
Um barco só morria verdadeiramente quando naufragava.
Esta era a morte do barco. E só morre o que tem vida. Nas comunidades ribeirinhas, o barco e as pessoas, são entidades, com vida depois da vida.


Falamos de sobrevivência

Aquilo que nos escapa frequentemente é que os barcos não existem sem as comunidades humanas que lhes deram origem e identidade, e que essa relação é recíproca.
Esse é o elemento da sobrevivência.


Fotografias de Arquivo 2003 de João Baptista
Lançamento à água da Traineira construida no estaleiro do Purro, Bueu em 12 de Agosto de 2003
mais informação sobre o estaleiro e sobre o seu futuro aqui: http://www.culturamaritima.org/node/14280

sábado, janeiro 30, 2010

São Mateus






Embarcação São Mateus

Esta embarcação adquirida pela associação em 2008 aguarda a sua recuperação, quem sabe no corrente ano.



domingo, janeiro 17, 2010

Do blog GILREU este texto que reproduzo na integra:

Portugal e Galiza, do interdito ao crucial pubicado em:As Artes Entre as Letras, quinzenário cultural,e na net:http://www.pglingua.org/;
http://www.vieiros.com/;
http://cidadesurpreendente.blogspot.com/;
http://trabalhadoresdocomercio.org/
http://www.nortadas.blogspot.com/

– um texto incómodo (a Norte e Sul do Minho) de cultura, de política


1.
Para o comum dos portugueses, o galego e a Galiza representam uma particularidade étnica e uma região entre outras, em que uma gaita-de-foles, as Rias Baixas e um bom marisco fazem quase toda a distinção para com o restante do Estado espanhol.Para alguns outros compatriotas, com alguma formação escolar, trazer-lhes-á uma remota ideia de uma literatura comum (a poesia trovadoresca), de algum relacionamento actual num tal de Eixo Atlântico, entremeado de alguns clichés sociais (o aguadeiro em Lisboa, o carregador na Ribeira, o trabalhador incansável) e talvez um preconceito histórico ligado a uma Mãe galega, Teresa, que perdeu uma batalha com o filho insubordinado que assumia pela primeira vez essa condição "superior" de português fundador, o "primeiro".

2.
Uma ditadura iníqua no século XX, uma Inquisição sanguinária (ainda que o Porto apenas tivesse tido um Auto-de-Fé, contrastando com as centenas em Lisboa e, sobretudo, de Évora e Goa) e um nacionalismo centralista afirmado sempre contra a imperial Castela, poderosa e ali ao lado, ajudaram a criar e a manter alguns dos grande mitos fundadores "nacionais", todavia vigentes, apoiados num desconhecimento que se encosta mais ao comodismo intelectual das ideias feitas do que a uma ignorância, também verdadeira, etária, geográfica e socialmente alastrada.Portugal, na sua vertente histórica de Condado Portucalense, despega-se do restante da Galiza por um acto, comum à época, de afirmação senhorial em relação a um suserano de quem não poderia já tirar vantagens, antes pelo contrário, já que toda uma Reconquista para sul prometia terras a perder de vista e levas de vassalos contribuintes. Com essa independência (do Reino de Leão), que dura há quase 900 anos, em que desenvolve as suas capacidades próprias sociais, estruturais, psicológicas e linguísticas, chega ao que é hoje: senhor de uma História rica e de uma língua pluricontinental de poder crescente.Mas a questão que sobra, ignota de muitos e relegada (por medo das consequências que poderia produzir e secundarizada pela iletrada tecnocracia vigente) é saber qual é nossa matriz cultural essencial?Nascemos do nada? Temos Viriato (que viveu seguramente a maior parte da sua vida em território hoje de Espanha) e os lusitanos (povo do qual nem sequer sabemos a língua que falava) apresentados como substrato nacional, porquê?Talvez a necessidade de afirmação nacional do ex-condado e do Portugal da altura obrigasse a um "desvio" no rigor dos nossos historiadores, comum a muitos povos, para fugir a uma verdade que poderia ainda abalar a nossa frágil independência? Talvez?A "lusitanização" de que se fala com muita frequência ao norte e ao sul do Minho, foi uma etiquetagem. Os portugueses encontraram no termo "lusitano" o mito genético para construírem uma independência mais segura. Pensariam que mantendo o cordão umbilical galego estariam mais sujeitos a uma intervenção da Grande Espanha (com Castela dominadora), que tinha absorvido a Galiza a norte do Minho, pois poderia induzir-se pretensão anexionista futura.Creio que foi esta a astúcia que permitiu justificar um Portugal, nascido do "nada" e "inventor" de uma língua que "sem origem" (a não ser o latim, apagando quase mil anos de História), e, por isso, Castela não tinha justificação nenhuma para impedir um povo/língua/cultura tão "diferente" do resto da Península, de ser independente. Recordemos, de passagem, que é o Cisma do Ocidente (1378-1417) que impondo a adaptação das estruturas eclesiásticas às estatais da altura, provoca de facto a separação política "final" entre as duas regiões.Mas porque é que hoje, integrados numa Europa que nos garante, valha-nos isso!, a paz e a segurança internacional, não retomamos o caminho da ciência e da verdade históricas e não afirmamos sem peias que Portugal é de matriz cultural essencialmente galega?Porque não se diz claramente que o galego é a nossa língua de partida, aquela de onde brotou a nossa variante, desenvolvida, apurada e internacionalizada, chamada português?Porque se persiste em não explicar desde a instrução primária essa origem comum, insistindo-se em "escavar sinais" de vontade autonómica nos séculos anteriores?As simples manobras de aproximação transfronteiriça, como muito bem assinalou Camilo Nogueira (um dos galeguistas mais esclarecidos na actualidade e que citamos aqui várias vezes), são um processo acomodatício, válido é claro para um relacionamento económico mais forte, mas que não basta para cumprir as nossas obrigações históricas e actuais, e defender o nosso passado e os nossos interesses.

3.
Nascidos antes mas estruturados nos movimentos liberais do século XIX, os Estados-nação já culminaram a sua função destruidora da diversidade política e nacional interna (CN). O conceito de que a um Estado, de fronteiras reconhecidas, corresponde uma nação de per si, com a lógica da jacobina igualdade cidadã e uma imposição de jure de uma língua comum, "aprofundando" assim a necessidade dessa comunidade linguística, "naturalmente " aceite, isto é, imposta por uma centralização, levaram, por exemplo, na França, à quase destruição, pelo menos ao aniquilamento político, da Bretanha, da Alsácia, da Córsega, do País d'Oc, e de outras nacionalidades, mais umas que outras, sobrevivendo ainda uns restos de sentimento nacional "recuperável" na ilha mediterrânica.Em Espanha, pese os esforços de Castela, três nações conseguiram resistir até hoje, mantendo não apenas as suas línguas nacionais, mas também acesa a chama nacional e a vontade de perseguir os desígnios próprios a cada nação, a soberania à cabeça.A ideologia "nacionalista" do Estado-nação (o pior dos "nacionalismos", porque disfarçado de supranacional) projecta sobre as nações internas a acusação de pretenderem a constituição de nações etnicamente uniformes, contrapondo a ideia de povo à de território, que seria a própria de Estados como o espanhol, que teriam assim os atributos da pluralidade, da diversidade e, incluso, da mestiçagem e da democracia (CN).Na Galiza - ou não fosse tão igual a nós - existe uma situação de impasse, motivada, é certo, pela pressão terrorista de um centralismo avassalador, mas sobretudo por um movimento nacionalista preso a um esquerdismo - que é a doença infantil do galeguismo - que recusa abrir-se a outras camadas sociais ou que indistingue luta nacional e luta social, prejudicando gravemente um objectivo próprio, horizontal e acima de qualquer outro (acima, disse bem!), dando a volta, mas cedendo no fundo (e ainda com C. Nogueira) ao marxismo dogmático de Hobsbawn que qualifica os nacionalismos das nações sem Estado, como um fenómeno historicamente transitório, identificável com os interesses das burguesias, à maneira do que, em Portugal, deve ser o pensamento de um Bloco de Esquerda sobre esta questão, ou de outra "esquerda", mais larga e novo-rica que confunde o ser do mundo com a perda empobrecedora da personalidade própria (CN).

4.
Na Galiza, o eixo principal pelo qual a luta nacional tem de passar, e que "beneficiou" neste momento do ataque desenfreado do espanholismo linguístico (que acusou os nacionalismos de querer impedir o bilinguismo, quando o problema é exactamente o inverso) é o da língua.O nacionalismo, presa ainda do conceito maximalista atrás citado e, nalguns sectores, ainda de um isolacionismo (bem burguês (pequeno), aliás) hesita em tomar a peito esta questão, armando-se da coragem dos Pais Nacionais do galeguismo político (primeira metade do Século XX).Se ser nação é assumir a possibilidade de construir um Estado. mais verdade ainda é ser nação é que a língua própria seja indiscutivelmente a língua nacional" (CN). E esta, o galego só a pode cumprir cabalmente, se for aglutinadora e cimento de um povo, se se lhe der a continuidade histórica necessária, aquela que o galego enquanto tal, remetido durante muitos séculos a língua apenas oral e rural, não pôde beneficiar, mas que o galego, enquanto português, se temperou, tornando-se não apenas língua literária de larga produção mas ainda língua pluricontinental, a quinta mais falada no mundo (maternal).
Citamos o mais conhecido galeguista português, até hoje, Rodrigues Lapa:Certos indivíduos, arvorados em linguistas, ignoram ou fingem ignorar a diferença entre vários tipos de língua: a que falamos no trato quotidiano, propriamente a fala; a que empregamos na escrita; e a que é mais elaborada e usamos na literatura. As duas pontas desta cadeia são obviamente a fala e a língua literária. Não é lícito confundi-las. O processo da língua oral é simples: uma vez lançada a mensagem, o signo é esquecido; mas o enunciado literário não morre por ter servido, "está feito expressamente para renascer das suas cinzas e tornar a ser indefinidamente o que acaba de ser", assim escreveu Paulo Valéry.A recuperação literária do galego padece de um erro fundamental: a transplantação pura e simples da fala corrente para o texto dos livros. Não é assim que se forja uma literatura.
Considerar o galego como parte integrante do sistema linguístico galego-português-brasileiro, com o nome internacional de português, aproximar radicalmente (em sentido próprio) o galego escrito da norma portuguesa-brasileira, enriquecer a nossa língua comum dos milhares de vocábulos e expressões galegas, eis o caminho a percorrer: o que falta.


Bruxelas, 17 de Dezembro de 2009

Joaquim Pinto da Silva (galego do sul, português do norte)
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